"Todos os dias
quando acordo não tenho mais o tempo que passou, mas, tenho muito tempo,
temos todo o tempo do mundo"
Tempo perdido, Legião
Urbana
Esse
trecho da música do Legião Urbana trata-se de uma reflexão acerca da passagem
inevitável do tempo e da condição efêmera da vida. E é a mais pura
verdade. Então, aproveitemos todo o tempo que temos sendo felizes. E o que mais
deixa a Estradeira Solitária feliz é pegar a estrada.
Agosto findando, feriado a
vista, eu e as amigas resolvemos nos aventurar por aí. Deixaram por minha conta
procurar possíveis roteiros e depois decidiríamos o destino. Mal sabiam elas que eu já tinha um destino em mente. Eu desejava retornar ao lugar onde
eu e meu saudoso estradeiro havíamos passado o último Carnaval juntos. Elegi
esse lugar como o ponto de partida de minha aventura, agora solitária.
O lugar escolhido é
Pains, conhecida como
“Capital Nacional do Calcário”. Pains é uma pacata cidade localizada no
Centro-Oeste de Minas Gerais, que se destaca pela enorme quantidade de cavernas
na região, além do cinturão verde que se sobrepõe às rochas e revela paisagens
exuberantes. É lá que também encontra - se o Museu Arqueológico do Carste do
Alto São Francisco (MAC), primeiro museu do município e também o primeiro museu
arqueológico de história indígena de toda a região do alto São Francisco. Seu
acervo é composto por objetos de sociedades indígenas que viveram naquela
região desde 11.000 anos atrás.
Destino e rota traçados, buscamos um contato de guia para
fazermos uma trilha rumo as cavernas do local. Contatei o Capitão Caverna que
na impossibilidade de realizar o passeio conosco nos indicou o biólogo Lucélio Nativo.
Conheceríamos as pinturas rupestres e cavernas, no sábado, e no domingo
passaríamos o dia em cachoeiras no distrito de Santo Hilário, uma vilinha
charmosa, pertencente ao município de Pimenta.
Ansiosa por natureza, já na quarta – feira minhas malas estavam prontas. Reunimos nesse mesmo dia e combinamos os detalhes finais.
Como de costume não preguei os olhos à noite e, às 5h já
estava de pé. Pontualmente as meninas Helena, Sandra e Lidiani me pegaram às 6
h e 30 min. Dia lindo, céu azul partimos alegres para nossa aventura.
Chegando em Santo Hilário por Guapé |
Ponte de Santo Hilário |
Em pouco menos de 2 horas chegamos a Santo Hilário onde
paramos para um café. Demos um rápido passeio pelas ruelas até as margens do
Lago de furnas. Retornamos à estrada para após uns 40 min chegar a Pains.
Parada para um cafezinho com pastel no Bar do Peixe, Santo Hilário |
Fizemos
chekin no Hotel Vale das Pedras e fomos para o MAC. Lá encontramos o Biólogo Celinho que iniciou a nossa primeira
aventura. O Museu estava fechado, mas abriu gentil e especialmente para nos atender.
A recepcionista do museu nos apresentou todas as salas e acervo explicando toda
história do museu e dos artefatos, tudo seguindo os protocolos de segurança
devido à Covide 19.
Parque Municipal Natural Dona Ziza, Pains MG |
Sala das cerâmicas - MAC |
Cerâmica mortuária onde foi encontrada uma ossada feminina. |
Exposição de artefatos indígenas |
A turma na entrada do Museu |
Em
seguida fizemos o primeiro tour na mata que integra o Parque Municipal Natural
Dona Ziza, que fica nos fundos do Museu. Numa caminhada curta de pouco mais de
1 km, o biólogo Celinho foi apresentando a vegetação, a formação do solo e muitas
outras informações interessantes de forma bastante didática e bem humorada.
Interessante conhecer como os vegetais se comportam e fazer analogias com a
vida humana. Tem planta que é muito mais inteligente que certos seres humanos, tem muita gente que se comporta como a Aroeira do sertão (Myracundrum urundeuva), ao menos foi que concluímos.
Depois
fizemos um lanchinho ali mesmo no parque e partimos para o sítio arqueológico Posses Grandes. Localizado entre os municípios de Pains e Arcos um enorme paredão
apresenta um painel de pinturas rupestres com temas zoomorfos (animais)
seguido de figuras abstratas e antropozoomorfas (características humanas e animais). Com cores vivas e predominando
o vermelho, o amarelo e o branco elas podem ser interpretadas como representações
ritualísticas de passagens do cotidiano de grupos caçadores – coletores que
teriam ocupado a região entre 9000 e 7000 anos atrás. Aqui cabe uma importante observação: o local precisa ser devidamente estruturado de forma a preservar esse
maravilhoso achado. Como não tem uma faixa de segurança o acesso a elas é livre
e pode comprometer todo um conjunto de artefatos que podem estar ali enterrados
e as próprias pinturas. Nos deparamos com um grupo de "Bos taurus", pisoteando todo o entorno.
Logo
em seguida partimos para outra região, numa propriedade particular para
conhecer a Gruta do Brega. Com acesso moderado, chegamos ao local e nos
preparamos com alguns equipamentos de segurança. Já na entrada da Gruta nosso
guia Celinho explicou sobre o que encontraríamos lá dentro e como deveríamos nos
comportar. Sempre muito didático, ilustrando com histórias vividas, nos ensinou sobre a estrutura da gruta sobre os aspectos geológico, biológico e quimico, nos passou segurança e finalmente entramos. Essa gruta
é enorme, possui três salões amplos, dos quais um deles tivemos que escalar
auxiliados por uma corda. Encontramos uma aranha que não é aranha (Opilião), famílias de
morcegos e muitos grilinhos (Endecous cavenicolus) que nos rendeu uma boa piada e muitos risos. Como sempre quem caiu na piada fui eu.
Nos preparando com equipamentos de segurança |
Entrada da Gruta |
Recebendo instruções e conhecendo a estrutura da gruta |
Entre estalactites e colunas |
Observando helectites |
Alguns acessos se dão rastejando ou engatinhando |
Escalando |
Opilião "Goniosoma spelaeum" |
Ficamos maravilhadas com a beleza dos diversos
“espeleotemas” encontrados: estalagmites, estalactites, helictites, pérolas
calcíticas e muitos outros. Aqui também cabem duas importantes observações.
Primeiramente nunca se deve entrar numa gruta ou caverna sem um guia
devidamente capacitado. A observação de estratégias de segurança, mediante um
verdadeiro conhecimento é de suma importância para uma visitação tranquila e com
aprendizado. Aqui recomendo esse passeio a estudantes e amantes da natureza com
o Biólogo e Espeleólogo Celinho que nos passou muita segurança. Outro ponto e tão importante
quanto é conscientizarmos que aquelas maravilhas que ali vemos levam centenas e
milhares de anos para se formar. Encontramos muitas estalactites quebradas,
notadamente pela mão humana. A exploração sem o devido conhecimento e respeito
destrói num segundo o que a natureza leva anos para constituir. O que sempre digo
é que devemos conhecer para amar e amar para preservar.
Início de formação de um espeleotema |
Pérolas calcíticas |
Estalagmite |
Gotejamento que produz o espeleotema |
Ação da água |
Ao
final da exploração Celinho nos proporcionou uma experiência singular. Apagamos
nossas lanternas e no breu total contemplamos o silêncio e fizemos cada uma um
agradecimento por aquele momento e aquela conexão. Foi sublime. Ainda vimos com
a ajuda de uma luz ultra violeta colônias de bactérias que ainda estão sendo
estudadas pela Universidade Federal de Lavras numa das paredes calcíticas de um tipo de
calcário. E no caminho de volta ainda fomos presentedas com dois lindos Tamanduás Bandeiras tranquilos a procura de formigas.
Colonias de bacterias em estudo pela UFLA |
Depois
de um dia maravilhoso, antes mesmo de tomar banho, estavamos todas empoeiradas da cabeça aos pés passamos num barzinho para
uma cerveja, um peixe e um tropeiro deliciosos! Depois, dormir que no dia
seguinte teria mais aventura.
Manhã de domingo, após
o café retomamos a estrada rumo a Santo Hilário para conhecer as cachoeiras. Dia
lindo de sol e céu azul, parando e fazendo cliques, cantando sempre com muita
alegria logo chegamos ao local de início das trilhas para as cachoeiras. Fomos
logo na mais longínqua, a Cachoeira do Chapadão. Para nosso espanto a trilha se
enquadrava na categoria “Hard”. Muita subida, trilha estreita e na ribanceira.
Pelo caminho íamos encontrando pessoas indo e vindo que ora nos encorajavam,
ora nos faziam querer voltar. Mas insistimos e tivemos a recompensa, um
deslumbre de queda de 70 metros proporcionando um frescor e água gelada.
Permanecemos ali curtindo, nadando e contemplando aquela maravilha por horas e
depois retornamos para a Cachoeira Andorinha 1.
A cachoeira Andorinha 1, menor,
mas não menos gostosa não fossem uns sem noção que faziam da cachoeira e seu
entorno a cozinha de suas casas. Faziam churrasco, comiam e nas águas lavavam
suas vasilhas como se estivessem nas suas pias. Haviam fogões improvisados em pedras
e muito lixo. Triste ver uma situação dessa. Permanecemos ali por algum tempo e
em seguida fomos para Santo Hilário.
O
vilarejo pertencente ao município de Pimenta é um charme. Minúsculo e as
margens do lago de furnas de onde saem passeios de lancha e de Chalana, possui uma
pousada, o bar do Peixe, o Restaurante Cantinho Mineiro e um Empório. Estava com
um número maior de turistas uma vez que foi reaberto recentemente. Seguindo
todas os protocolos, tomamos umas cervejinhas e comemos o peixe e depois de uma
tarde maravilhosa de muita alegria, retornamos para Pains. À propósito, nossa
motorista não bebeu. Juízo é o que não nos falta!
Então,
quase chegando à Pains, nossa motorista percebe um barulhinho incomum e ao reduzir
para passar num quebra – molas o carro apaga. Depois de algumas tentativas de
religar o carro percebemos que algo não estava certo. Dois mocinhos que
passavam por ali nos ajudaram a encostar o carro e abrindo o capô vimos que
faltava a tampa do radiador cuja água havia se esgotado. O jeito foi recorrer
ao nosso guia e agora amigo Celinho que gentilmente nos arrumou um mecânico e
nos levou ao hotel. Mas apesar do sinistro, nada nos tirou a alegria e nos
deixou um aprendizado: vamos todas fazer um curso de mecânica básica e leitura das
luzes do painel do carro!
Tomamos
um banho e fomos a uma choperia traçar a estratégia do nosso retorno.
Infelizmente, o passeio de Chalana que faríamos no dia seguinte foi frustrado.
Segunda de manhã Sandra acionou o seguro que em tempo hábil enviou guincho para o carro e
taxi para nós. Almoçamos e ao chegar no hotel nosso motorista Juarez já nos
aguardava. Viemos rindo de lá aqui, rememorando cada momento alegre que passamos
nesse fim de semana. Valeu! Já não vejo a hora da próxima aventura da
estradeira que se diz solitária, mas que nunca foi e nunca será! Porque quem tem
amigos de verdade, tem tudo!
"E
o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade nem
tem hora de chegar. Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá, o
fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar. Vamos todos numa linda
passarela de uma aquarela que um dia enfim descolorirá."
Aquarela,
Toquinho
Parabéns pelo relato, as companhias, os passeios e renovação de espírito.
ResponderExcluirObrigada!
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